Barão Geraldo, a terra em que o Boi falô na Sexta-Feira Santa de 1888
Das terras hoje conhecidas como Barão Geraldo, há um século, a tradição oral nos traz uma história transformada em lenda pela crença dessa gente humilde.
Conta-se que um capataz da fazenda ordenou a um escravo que atrelasse o boi ao arado para trabalhar a terra para o plantio. Era uma Sexta-Feira Santa e o capataz exigia um dia de trabalho duro para o escravo, apesar da tradição da Igreja Católica dedicar este dia à meditação, à reflexão, a uma análise mais profunda do significado deste dia para o cristão.
O escravo voltou ao capataz minutos depois, alardeado, dizendo que ao colocar a canga, o boi “falô”: “Hoje não é dia de trabalho”.
Se um negro enfrentou seu capataz numa Sexta-Feira Santa, recusando-se a trabalhar – mesmo que a mando do boi – poderíamos não acreditar que o boi realmente falou, mas poderíamos interpretar que esse homem, esse negro escravo ouviu a voz, não do boi, mas do sentimento de liberdade, um grito rebelde que já não segurava em seu íntimo.
Ou foi em vão toda a luta pela abolição? Ou Zumbi também não passaria de uma lenda? Não teria existido realmente o Quilombo dos Palmares? Ou o Senhor não teria mesmo ouvido o clamor de Castro Alves, quando expunha sua desconfiança: “Ó Deus, em que estrela tu te escondes que não ouves o meu grito?”
Dá para imaginar a reação do senhor dos escravos, proprietário das vidas humanas e das terras, ao ouvir aquelas palavras da boca de um escravo. Com certeza ordenaria aos seus criados: “Toquem a carruagem. É apenas um negro gritando...”
Todavia, o negro gritou:
“O boi falô, hoje não é dia de trabalhar!” E, dois meses depois, em maio daquele 1888, veio a Abolição, com a assinatura da Lei Áurea pela Princesa Izabel.
Mas a lenda do Boi-Falô resistiu por todo esse tempo e continua viva na memória e no coração do povo de Barão Geraldo, apesar de já há quase duas décadas ter sido derrubado o capão do Boi-Falô, local onde havia maravilhosas árvores centenárias para dar lugar a um loteamento, o Jardim Santa Genebra.
Portanto, toda Campinas, vanguarda do abolicionismo, tem que comemorar o Centenário do Boi-Falô, nesta próxima Semana Santa, pois em maio comemoraremos o Centenário da Abolição. E estes dois grandes momentos estão entrelaçados à própria história do Brasil”
(GILBERTO ANTONIOLLI- Correio Popular, 19/03/1988)
Do Livro: Barão Geraldo História e Evolução
Por: Rita Ribeiro